No dia 23 de Janeiro, o então presidente da Assembleia
Nacional, Juan Guaidó, declara, em meio a uma multidão, ser o novo presidente
interino da Venezuela até que o atual ocupante do cargo, Nicolás Maduro, o
deixe sob alegações de fraude e corrupção. Incitando a população local, a
mídia, a comunidade internacional e a opinião pública a tomarem partido sobre a
situação, a atitude surge como marco de um novo estágio da crise no país
vizinho no qual a polarização interna, a desolação econômica, a pressão internacional
e uma crise humanitária sem precedentes não dão espaço para uma solução simples
e rápida.
Mas, que
diabos aconteceu com a Venezuela para a situação chegar a um ponto desses? Quem
é o responsável por isso? Por que ONU, Estados Unidos, Brasil, China, Rússia e
tantos outros países estão se envolvendo? O governo não faz nada? E a
população? Como “resolver” tudo isso? O que é, de fato, essa crise?
O
chavismo
Associar o que vem ocorrendo no país
exclusivamente ao governo é um caminho fácil do raciocínio para chegar ao
“culpado” (que muitas vezes está certo!) mas que, dificilmente, explicaria a
complexidade ou as origens da situação. Culpar a gestão chavista pelo que ocorre é parte da resposta. Parte. O regime leva
esse nome por conta de sua principal figura e líder, Hugo Chávez, –
ex-paraquedista que esteve envolvido em revoltas populares (como o CARACAZO –
1989) e tentativas de golpe durante o começo dos anos 90 – presidente eleito
pelo voto popular em 1998 e governante até o ano de 2013, ano de seu falecimento. Propondo uma reconfiguração no poder
político do país, na qual o povo teria maior representação e participação, o
governo trabalhou diretamente em reformas de base ao longo dos anos (reforma
agrária, de saúde, de educação) conseguindo reduzir muito, como exemplo, os
números de pobreza e pobreza extrema do país. O chamado chavismofoi marcado,
também, por um aumento da interferência estatal na economia, principalmente no
câmbio internacional (compra e venda), bem como na estatização de empresas e ampliação
de outras já públicas como a PDVSA (principal petrolífera do país). Tomou medidas de fortalecimento do
poder executivo (como a criação de uma Assembleia Nacional) e tentou outras sem
muito sucesso (como a extensão do mandato presidencial). Além disso, pautou
decisões e posturas com grande apoio popular e militar (Chávez era um líder
carismático) e governou lutando contra as garras
imperialistas, pela liberdade da América Latina e a construção da nação
bolivariana. O chavismo, essa combinação de regimentos e atitudes percebidas e
estudada ao longo dos anos, foi denominado pelo próprio Hugo Chávez como “socialismo do século XXI”.
A
derrocada
Olhando para a trajetória do
governo, a morte de Hugo Chávez foi um golpe duro para a continuidade do
chavismo como modelo. O buraco deixado por sua ausência e ocupado por seu vice
e sucessor Nicolas Maduro (que já vinha assumindo as responsabilidades desde
2012 devido ao estado de saúde de Chávez) passou longe de ser “preenchido”.
Pelo contrário, foi a partir de sua posse e das eleições de 2016 que inúmeros
escândalos de fraude nas eleições, denúncias da prisão de opositores e casos de
corrupção nas estatais estouraram. O resultado das eleições legislativas de
2017 ,no qual a oposição consegue a maioria da Assembleia Nacional
Constituinte pela primeira vez desde sua
criação, e escolhe Juan Guaidó como seu representante máximo, acentua a pressão
e dificulta medidas do partido do presidente.
Considerada por muitos o principal
vetor de toda a situação, a crise econômica teve início com a queda do preço do
barril de petróleo a partir do ano de 2015, alcançando seu menor valor em 2016
(aproximadamente 37 dólares o barril, como comparação, em 2013, ano da morte de
Chávez, o valor era de 98 dólares cada um). É uma situação “grande” por si só
mas que deve ser analisada em ao menos 3 aspectos característicos do país sobre
o assunto. O primeiro deles é a grande importância do óleo na economia
venezuelana. Sendo o território com a maior quantidade de petróleo do mundo e
aonde a sua venda – dos commodities –
representa 95% de tudo que sai do país ou, cerca de 25% do PIB, uma queda de
preço dessas, sozinha, já seria um golpe doloroso. Em segundo lugar é a maneira
como a Venezuela trabalha essa dependência. Ele sempre foi o produto principal
do país – desde o século XX – e já passou por outras crises (como a financeira
de 2008) mas, foi durante o governo chavista, que seu uso serviu como um
alicerce de todas as reformas sociais e políticas feitas. Sua venda garantia o
que a Venezuela não conseguia produzir sozinha através da compra de produtos
importados pelo próprio governo. Governo esse que negligenciou outros setores
produtivos e industriais do país tornado ainda mais axial a venda de petróleo
para a normalidade da vida cotidiana. Por último, as medidas governamentais e a
administração da PDVSA – estatal responsável pela extração e refino de petróleo
– passaram longe de oferecer algum tipo de esperança. Congelamento de preços,
empréstimos internacionais (China e Rússia) e denúncias de roubos milionários
(ao menos 500 milhões) não contribuem em nada para a solução da situação.
No meio de todo esse turbilhão
econômico e político, a população sente na pele e na rotina os efeitos desse
caos. Falta de alimentos (arroz, feijão, óleo), mal funcionamento de serviços
básicos (transporte, hospitais), apagões e o sumiço de itens essenciais ao dia
a dia das prateleiras dos mercados (papel higiênico, xampu) resultam em
situações de miséria e sofrimento, como a diáspora Venezuelana – consequência
direta da situação e a maior da nossa região, com números que chegam as 3
milhões de pessoas que já não conseguem mais viver com o descaso, os números
exorbitantes da inflação (o número variou 1.000.000% em 12 meses!) – e a busca
por condições mínimas de vida.
A
maldição do petróleo
A frase tema não é nova, ou invenção
criativa desse que vos fala. O petróleo molda relações nacionais e
internacionais não é de hoje. E a Venezuela não será primeira nem a última a
sofrer seus efeitos políticos. Até agora, ao longo do texto, o tema é abordado
como uma questão interna, sensível a crises internacionais mas que tem seu eixo
principal girando em torno do governo, da manutenção e dependência do petróleo,
da corrupção, etc. O que vem ocorrendo no país é, além de tudo que foi tratado,
uma aula ao vivo sobre política externa e pressões econômicas internacionais. O
interesse e a disputa por recursos – sejam eles minerais, energéticos,
comerciais – não é uma novidade na história da humanidade. ONU, União Europeia,
Rússia, Brasil e tantos outros países não se manifestam sobre o assunto por
simples bondade. O maior reservatório conhecido de um mineral tão importante
não é pouca coisa.
Países como os Estados Unidos já
vem, desde o fim da gestão Obama, classificando a Venezuela como um lugar
perigoso para investimentos e ou financiamentos internacionais além de exercer
bloqueios alfandegários contra seu maior parceiro petrolífero latino (parceria
que vem desde o governo Chávez e todo aquele discurso anti-imperialista). São atitudes
que dificultam e limitam as possibilidades de ajuda financeira do exterior ou
retomada econômica interna.
Na mesma moeda, a maioria dos países
receberam e reconhecem Guaidó como o verdadeiro presidente venezuelano,
desprestigiando ainda mais as instituições do país. Salvo alguns poucos
vizinhos – México e Uruguai entre eles – dificilmente a Venezuela irá conseguir
apoio internacional para uma saída democrática interna, estando com o espectro
da intervenção ao seu encalço.
O interesse político é tanto que até
a Cruz vermelha – instituição internacional e que não responde por nenhum
Estado em específico – emitiu uma nota de repúdio contra diversas redes de
comunicação mundial perante o uso político e intencionado de seu trabalho e
ajuda humanitária. O sofrimento como política, a crise como negócio.
E
agora, José?
O cenário
que se forma nas ruas venezuelanas é rotina de jornais e noticiários do mundo
inteiro, cada dia com um ultimato novo, uma manifestação, um pronunciamento,
uma prisão diferente. As peças que vão se agrupando formam um alinhamento
binário: Guaidó X Maduro. O primeiro vem ganhando cada vez mais apoio de
estadistas e da população; Maduro, luta com o que tem e busca aliados para a
manutenção da autarquia política que se tornou o chavismo. O petróleo,
interesse mundial, alimenta a opinião e bondade de líderes e multinacionais
enquanto a democracia e a população lutam e padecem com o pouco que lhe restam.
A situação é complexa, o perigo de uma intervenção é alto. E é no vizinho ao
lado.
Para saber mais:
Livro: ROSS, Michael L. A MALDIÇÃO DO PETRÓLEO - Como a riqueza petrolífera molda o crescimento das nações. 1º edição.
Sobre o autor:
Pedro Felipe Minhoni. Professor e intencionado nas práticas históricas, me formei em 2014 na faculdade de ciências humanas de Franca em História. Desde então busco aprimorar cada vez mais meu método científico, minha leitura e escrita, além de diversificar a playlist e estabelecer conexões pessoais propícias ao bar.